Em uma transmissão ao vivo realizada ontem (21 de maio de 2025), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) lançou oficialmente os novos indicadores do Componente Qualidade da Atenção Primária à Saúde (APS). A live contou com a presença de figuras centrais da gestão pública em saúde, como Ana Luiza Caldas, secretária da APS do Ministério da Saúde, Hisham Hamida, presidente do CONASEMS, e René Santos, representante do CONASS. A mudança representa um marco importante na evolução das políticas de financiamento e monitoramento da APS no Brasil.
Os novos indicadores buscam reforçar o papel estratégico da Atenção Primária como indutora do cuidado, promovendo não apenas a mensuração de resultados, mas a qualificação dos processos assistenciais em saúde. Este artigo resume os principais pontos apresentados na live e aprofunda o entendimento sobre os 15 novos indicadores, divididos entre Equipes de Saúde da Família e Atenção Primária (eSF/EAP), Equipes de Saúde Bucal e Equipes Multiprofissionais.
O que é o Componente Qualidade da APS?
O Componente Qualidade é uma parte essencial da política de financiamento da APS, instituído para valorizar e incentivar práticas que melhorem a qualidade do cuidado prestado à população. Ele se soma aos componentes de capitação ponderada e de incentivo para ações estratégicas, mas com foco específico em resultados que demonstrem efetividade clínica e organizacional.
É importante diferenciar o Componente Qualidade do Componente de Vínculo e Acompanhamento. Enquanto este último está voltado ao cadastro e acompanhamento longitudinal da população adscrita às equipes, o Componente Qualidade mede ações concretas de cuidado, acesso, prevenção e controle de doenças, com base em critérios técnicos definidos pelo Ministério da Saúde e pelas instâncias de pactuação interfederativa.
A Visão do Ministério da Saúde: Indicadores como Indutores de Cuidado
Durante a live, Ana Luiza Caldas reforçou que os novos indicadores não devem ser vistos como ferramentas de punição ou meros instrumentos de controle financeiro. Segundo ela, “os indicadores são indutores do cuidado e qualidade”, ou seja, orientam as equipes sobre as prioridades clínicas e organizacionais que devem ser promovidas na prática cotidiana.
Essa visão foi compartilhada por Hisham Hamida e René Santos, que destacaram a importância de os indicadores representarem ações concretas que as equipes já desenvolvem ou têm capacidade de implementar com apoio técnico e organizacional. Assim, o foco está no fortalecimento da APS como base estruturante do SUS, ampliando o acesso qualificado, a equidade e a resolubilidade dos serviços de saúde.
Mais detalhes no Vídeo:
Novos Eixos Temáticos dos Indicadores de Qualidade
Os novos indicadores de qualidade da APS foram organizados em sete eixos temáticos e englobam um total de 15 indicadores, estruturados para refletir a complexidade e a integralidade do cuidado. Eles foram distribuídos em três categorias principais, conforme o tipo de equipe:
- Equipes de Saúde da Família (eSF) e Equipes de Atenção Primária (EAP)
- Equipes de Saúde Bucal (eSB)
- Equipes Multiprofissionais
Essa divisão visa respeitar as especificidades de cada equipe, garantindo critérios proporcionais e alinhados com as capacidades operacionais e os perfis epidemiológicos atendidos. Cada indicador é composto por “subindicadores” ou “boas práticas”, que devem ser executadas pelas equipes e devidamente registradas nos sistemas de informação, como o e-SUS APS.
Acesso à APS
O primeiro indicador apresentado diz respeito ao acesso da população aos serviços da Atenção Primária. Ele é mensurado pela proporção de atendimentos realizados por diferentes tipos de demanda: programada, espontânea, escuta inicial, consulta do dia e atendimentos de urgência. Essa diversidade de formatos reconhece as múltiplas formas de entrada do cidadão no sistema de saúde.
O objetivo do indicador é garantir a universalidade e equidade no acesso, princípios fundamentais do SUS. A correta classificação e registro no sistema e-SUS APS serão determinantes para o bom desempenho nesse critério. Além disso, o acesso é compreendido aqui como um reflexo da capacidade das equipes de acolher e dar continuidade ao cuidado, o que se conecta diretamente ao Componente de Vínculo e Acompanhamento.
Desenvolvimento Infantil
O indicador temático de desenvolvimento infantil foi reformulado com base em evidências e nas boas práticas assistenciais voltadas para crianças de até 2 anos. Esse eixo traz uma abordagem abrangente, contemplando desde a consulta inicial até o acompanhamento contínuo na primeira infância.
Ele está dividido em subindicadores de produção, cada um com peso específico. Entre eles, destacam-se:
- Primeira consulta presencial com médico ou enfermeiro até 30º dia de vida
- Pelo menos nove consultas presenciais ou remotas até os 2 anos com o médico ou enfermeiro
- Registros de pelo menos 09 aferições de peso e altura
- Duas visitas domiciliares nos primeiros seis meses, sendo a primeira até o 30º dia de vida
- Vacinação contra difteria, tétano e coqueluche (DTP) até 1 ano
Esse conjunto de ações forma um retrato da qualidade do cuidado infantil e permite às equipes avaliar seu desempenho de forma contínua. O uso de terminologias como “indicador temático” e “boas práticas” sinaliza um avanço metodológico importante, que se alinha às tendências internacionais de monitoramento da saúde infantil.
Cuidado com Gestantes e Puérperas
Este indicador temático contempla um conjunto de práticas essenciais para garantir um pré-natal e puerpério seguros e eficazes. A mensuração é feita com base nas ações registradas para gestantes e puérperas vinculadas às equipes, divididas em cinco subindicadores, cada um com peso específico na composição final:
- Ter realizado a primeira consulta de pré-natal até a 12 semanas de gestação
- Ter realizado pelo menos 7 consultas durante durante o período de gestação,
- Ter realizado pelo menos 7 registro de pressão arterial durante a gestação
- Ter realizado pelo menos 7 registro simultâneos de peso e altura na gestação
- Ter registro de pelo menos 3 visitas domiciliares do ACS no intervalo mínimo de 30 dias após a primeira consulta pré-natal
- Ter registro de uma dose de dTpa a partir de 20ª semana na gestação
- Testes rápidos ou exames avaliados para sífilis, HIV e hepatite B no primeiro trimestre da gestação
- Mesmos testes realizados ou avaliados no terceiro trimestre
- Pelo menos uma visita domiciliar do agente comunitário de saúde durante o período do puerpério
- Pelo menos uma consulta com médico ou enfermeiro no puerpério,
- Registro de pelo menos uma avaliação odontológica durante a gestação, realizada por cirurgião-dentista, técnico ou auxiliar de saúde bucal
Esse indicador reforça a atenção integral e multiprofissional ao cuidado pré-natal e puerpério, articulando ações clínicas, preventivas e educativas. A inclusão de exames avaliados amplia a flexibilidade para os municípios, considerando contextos onde não é possível ofertar todos os exames diretamente na APS.
Cuidado com Pessoas com Diabetes
Este é um dos indicadores mais robustos e estratégicos, refletindo diretamente o acompanhamento longitudinal da pessoa com diabetes na APS. O novo formato permite maior abrangência ao considerar não apenas a realização de exames, mas também o acompanhamento remoto, a aferição de sinais vitais e o cuidado multiprofissional. Os subindicadores incluem:
- Pelo menos uma consulta (presencial ou remota) com médico ou enfermeiro nos últimos seis meses
- Registro de aferição de pressão arterial no mesmo período
- Duas visitas domiciliares realizadas pelo agente comunitário de saúde, com intervalo de até 30 dias entre elas, nos últimos 12 meses
- Registro de peso e altura em pelo menos uma ocasião nos últimos 12 meses
- Avaliação dos pés em algum momento nos últimos 15 meses
- Solicitação ou avaliação de exame de hemoglobina glicada nos últimos 12 meses
Esse indicador reflete uma evolução do antigo modelo do Previne Brasil, com maior foco na flexibilidade e aplicabilidade prática. A valorização de registros avaliados (e não apenas realizados) amplia o escopo das ações reconhecidas pelo sistema, tornando o indicador mais adaptável às realidades locais e mais justo em sua mensuração.
Cuidado com Pessoas com Hipertensão
O cuidado com a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é outro eixo prioritário dentro dos novos indicadores. Assim como o de diabetes, este indicador é baseado em um conjunto de boas práticas assistenciais que refletem o acompanhamento efetivo da população hipertensa. São consideradas as seguintes ações:
- Consulta (presencial ou remota) com médico ou enfermeiro nos últimos seis meses
- Registro de aferição de pressão arterial no mesmo período
- Pelo menos duas visitas domiciliares realizadas pelo agente comunitário de saúde no intervalo de 30 dias, nos últimos 12 meses
- Registro de peso e altura no último ano
O modelo é similar ao de diabetes, porém com foco específico nas ações clínicas básicas que favorecem o controle da pressão arterial. A divisão dos critérios anteriormente agrupados no Previne Brasil permite que os municípios tenham mais flexibilidade para registrar e pontuar ações que já fazem parte da rotina, mesmo em contextos com dificuldade de garantir exames laboratoriais.
Cuidado Integral da Pessoa Idosa
Inédito entre os indicadores de qualidade da APS, este eixo temático reconhece o envelhecimento da população e a importância de um cuidado integral para a terceira idade. O indicador considera o seguinte conjunto de ações:
- Consulta (presencial ou remota) com médico ou enfermeiro nos últimos 12 meses
- Dois registros de peso e altura (avaliação antropométrica) no mesmo período
- Duas visitas domiciliares com intervalo de até 30 dias, realizadas por agente comunitário de saúde nos últimos 12 meses
- Registro de pelo menos uma dose de vacina contra influenza no último ano
Esse indicador marca uma virada no modelo de acompanhamento da pessoa idosa, valorizando tanto a prevenção quanto a detecção precoce de fragilidades funcionais. A inclusão da vacinação contra influenza reforça o papel da APS como coordenadora do cuidado e integradora de ações de saúde coletiva.
Prevenção de Câncer na Mulher
Ampliando o antigo foco exclusivo no exame citopatológico, o novo indicador voltado à saúde da mulher agora abrange diferentes faixas etárias e formas de prevenção. Ele contempla as seguintes boas práticas:
- Exame citopatológico (papanicolau) realizado ou avaliado nos últimos 36 meses, para mulheres de 25 a 64 anos
- Pelo menos uma dose da vacina contra HPV em crianças e adolescentes de 9 a 14 anos
- Atendimento presencial ou remoto relacionado à saúde sexual e reprodutiva para mulheres e adolescentes entre 14 e 69 anos no último ano
- Solicitação ou avaliação de exame de mamografia em mulheres de 50 a 69 anos, nos últimos 24 meses
Esse conjunto forma um indicador robusto, que integra ações preventivas, educativas e de rastreamento precoce. A estruturação por faixas etárias permite uma abordagem mais segmentada e estratégica, contribuindo para a efetividade das políticas públicas voltadas à saúde da mulher.
Integração dos Indicadores com o SISAB
Uma das grandes inovações apresentadas na live do CONASEMS foi a forma como os novos indicadores serão integrados ao Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB). A partir dessa nova estrutura, os dados referentes às boas práticas assistenciais serão processados de forma contínua e mais ágil, com visualizações mensais e análises quadrimestrais.
Segundo o Ministério da Saúde, os dados começarão a ser disponibilizados mensalmente no sistema a partir de junho de 2025.
Desafios de Implementação
Apesar dos avanços conceituais e operacionais, a implementação plena dos novos indicadores ainda enfrenta desafios significativos, especialmente em municípios com baixa capacidade instalada ou dificuldades de infraestrutura.
Entre os principais desafios, destacam-se:
- Capacitação contínua de profissionais para lançamento correto dos dados no e-SUS APS
- Oferta desigual de exames laboratoriais e de imagem em territórios mais vulneráveis
- Integração entre equipes de saúde e profissionais da rede complementar
- Disponibilidade de tecnologia e conectividade para realização de atendimentos remotos
Esses obstáculos exigem investimento em educação permanente, melhorias na infraestrutura e apoio técnico federal para garantir que todos os municípios possam alcançar os padrões de qualidade propostos.
Conclusão: Um Novo Ciclo de Qualidade na APS
Os novos indicadores do Componente Qualidade da Atenção Primária à Saúde marcam o início de um novo ciclo de gestão, financiamento e cuidado no âmbito do SUS. Ao trazer uma abordagem mais ampla, flexível e integrada, o Ministério da Saúde promove um modelo que valoriza práticas já consolidadas nas equipes de saúde, ao mesmo tempo em que estimula melhorias contínuas com base em evidências.
Esse avanço não apenas atualiza a forma como se mede a qualidade na APS, mas também redefine o papel das equipes na coordenação do cuidado, na vigilância em saúde e na educação permanente. Com a adoção desses indicadores, gestores e profissionais passam a contar com ferramentas mais eficazes para planejar, acompanhar e qualificar suas ações de maneira contínua.
Trata-se, portanto, de uma oportunidade única para fortalecer o SUS na base, onde a vida das pessoas acontece. Mais do que metas, os novos indicadores são convites ao cuidado ético, resolutivo e comprometido com a equidade e a justiça social. A APS brasileira caminha para um novo patamar de qualidade, e cada profissional tem um papel crucial nesse processo.
🔗 Acesse as portarias completas: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/publicacoes/fichas-tecnicas
- Novos Indicadores do Componente Qualidade da APS: Tudo o que Muda a Partir de 2025
- Governo do RS Atualiza Plano de Cirurgias Eletivas com Investimento de R$ 67 Milhões para 2025
- Ministério da Saúde atualiza regras de cofinanciamento da Atenção Primária no SUS
- Rio Grande do Sul lança Programa Inverno Gaúcho com Saúde 2025 para fortalecer a assistência durante o frio
- Nova versão do eSUS – PEC 5.3.31